Ainda vai demorar tanto tempo...

Ainda vai demorar tanto tempo para você me amar, baby, tanto... Como uma semente vai demorar até que a árvore rasgue o céu com sua copa, como um livro vai demorar a ser composto, letra a letra, como a água captada pelas raízes vai demorar até ser abundante a ponto de sustentar chalanas, canoas e barcos, como tudo que é construído, como tudo que é bom, como tudo que é puro, você vai demorar muito tempo para me amar. A vida é lenta, baby. Só a destruição é imediata, só o choque é urgente, só a tragédia é súbita, por isso, não vá embora, não se afaste, não destrua. Aquele beijo que parece que mudou tudo foi só a continuidade do flerte, a prévia da entrega, apenas um ponto luminoso num caminho imenso que começou muito antes e continuará muito depois. E o que você chama de rapidez é um desaguar desse mesmo longo caminho há tanto iniciado. O fato de você só me perceber agora, não significa que eu já não estava em curso nas suas veias desde que o primeiro desenho rupestre foi rabiscado na primeira caverna pela primeira mão humana. Eu estava ali. E você também. E ali eu já sabia que iria demorar muito tempo para você me amar. Nós ainda temos tantas estrelas a apanhar com as mãos nuas, baby, tantos cascalhos e terras e asfaltos e areias para pisar juntos, tanto amor pra fazer, tantas salivas e suores e gozos a compartilhar, tanto calor humano para aconchegar, tantas gargalhadas para chacoalhar os ossos, tantos livros para compreender, tantas orações para nos iluminar, tantas noites para acreditar no bem... Eu posso ver no abismo das suas pupilas que você vai me amar, mesmo que não agora. Posso perceber na resistência das suas mãos em tomar as minhas, que você vai me amar, mesmo que não já. Posso sentir no alívio do seu corpo e da sua alma quando eu te toco que você vai me amar, mesmo que não hoje. Há quantos séculos eu te sorvo em silêncio? Deixe então que o tempo continue a fazer em você, baby, o mesmo trabalho que já fez em mim. (Stella Florence)